As Casas Gandaresas são sobretudo construções de adobe em Vagos e Mira e apresentando em Cantanhede um embasamento ou a totalidade do rés-do-chão em alvenaria ordinária de pedra calcária. A construção de adobe é reconhecida nacional e internacionalmente como tendo uma boa inércia térmica e um bom desempenho acústico. No entanto, apesar do comportamento no período do verão ser excelente e este tipo de edifícios, na sua configuração original, não precisar de meios para o arrefecimento, no inverno, tal como todos os outros edifícios precisam de meios para o aquecimento. Tradicionalmente, esse aquecimento era realizado através de lareiras e dos ganhos solares pelas janelas. As propostas que se apresentam neste capítulo servem sobretudo para orientar nessa conciliação entre melhorias ambientais e a preservação de valores e não é por isso apenas uma aplicação taxativa das leis. Por outro lado, não prescinde na aplicação prática da devida ponderação técnica, por um técnico competente, para o caso específico de reabilitação, fazendo tanto quanto possível o contraponto entre as conclusões da avaliação do existente com monitorizações reais. A regulamentação térmica transpõe a legislação comunitária sem atender à realidade económica cultural e de hábitos de utilização dos Portugueses, pois baseia-se no pressuposto que os Portugueses aquecem as suas casas em modo permanente, o que não é verdade, para além disso não permite estudos de sensibilidade realistas. Neste sentido, cabe ao técnico, de forma competente, estudar o edifício como um todo e avaliar o contributo efetivo de cada componente construtivo ou eventual alteração proposta, para o conforto da habitação, colocando na mesma balança de ponderação o risco de perda de valores patrimoniais e custos futuros. O grande risco do atual modelo previsto na legislação é não responder às reais necessidades dos utilizadores dos edifícios reabilitados, nomeadamente considerando a durabilidade das soluções e as necessidades futuras de reparação. O aproveitamento do desempenho passivo dos edifícios deve assim ser maximizado, aproveitando os benefícios da inércia térmica das paredes de adobe, os ganhos solares de inverno e complementando com as formas de utilização e tanto quanto possível com ventilação natural, considerando-se vantajosa a ventilação mecânica para as instalações sanitárias. A reabilitação de edifícios existentes exige uma abordagem que deve passar pela caracterização construtiva, exaustiva do edifício e por um diagnóstico que conduza à proposta de soluções com investimento otimizado e um desempenho quantificado adequado, assegurando as condições de conforto térmico e sustentabilidade ambiental e a minimização de produção de CO2. O isolamento térmico é vantajoso no inverno, mas pode aumentar o desconforto no verão. No inverno devem ser considerados os ganhos solares em complemento a estratégias de conservação de energia, nomeadamente através da introdução do isolamento térmico.
Outras medidas apontadas como adequadas para se atingir o conforto, recorrem a equipamentos diversificados, mas que mais uma vez devem ser devidamente avaliados pelos técnicos, no sentido de se verificar que realmente existe um retorno do investimento em tempo útil de uso pelo utilizador, que é um contributo que não colide com a durabilidade dos materiais presentes no edifício, nem oneram a montante os custos de utilização. A legislação aplicável, continua com problemas ao nível da compatibilização entre as características dos edifícios antigos, nomeadamente das Casas Gandaresas e apesar do REH (Decreto lei nº118/2013) remeter para aplicações diferenciadas entre construção nova e reabilitação, a adequabilidade e ponderação recai sobre os técnicos e a sua competência para avaliar a pré-existência e definir boas práticas de preservação, na atual legislação do Dec. Lei nº 95 /2019 e Portarias nº 197/2019 de 9 de setembro e Portaria nº 303/2019 de 12 de setembro. Mais uma vez é crucial escolher um técnico competente e com experiência em edifícios de adobe, para a intervenção em Casas Gandaresas. Este poderá avaliar melhor e usar a flexibilização introduzida pela última legislação, podendo fundamentar uma baixa intrusividade nas excepcionalidades de ordem técnica, funcional, patrimonial, etc, a aplicação de uma abordagem flexibilizada, sempre que se justifique. O isolamento térmico aplicado nas paredes, quer pelo exterior, quer pelo interior não deve ser usado em edifícios de adobe, pois colocam em causa a durabilidade da construção e as humidades (condensações) na interface entre parede e isolamento pode contribuir para a desagregação dos adobes, o que com o tempo diminuirá a capacidade resistente da parede. Em paredes de muito elevadas espessuras os cálculos em regime permanente não traduzem o seu comportamento pelo que o coeficiente de transmissão térmica U tem relevância relativa. A inércia é nesse caso fundamental no desempenho da parede. Para os vãos virados a sul deve considerar-se formas de sombreamento, podendo inclusivamente se possível recorrer a arbustos ou árvores. A ventilação é um aspeto importante a ponderar, natural e mista. Tanto quanto possível, esta deve ser permanente, abrangendo todos os compartimentos e privilegiando a entrada de ar pelos quartos e salas e saída pela cozinha (valor mínimo de caudal 60m3/h) e quarto de banho. De referir ainda que, a ventilação do desvão sanitário é crucial para a boa conservação das paredes e estrutura de pavimento do rés-do-chão, pelo que a introdução de isolamento térmico por baixo do pavimento deve ser equacionada.
O clima e microclima local, a dimensão do edifício e a sua configuração, orientação solar, forma de aquecimento (contínuo ou por períodos do dia/noite), as características do sistema construtivo (incluindo com as eventuais alterações), o estado de conservação são aspetos a integrar na inspeção e diagnóstico, tanto quanto possível com medição do comportamento higrotérmico do edifício e assim estabelecerem-se medidas de intervenção com critério e equilíbrio. Resta assim recordar que a adoção de soluções de intervenção deve ter em conta, simultaneamente e, para além do objetivo das melhorias do conforto: - solução com a menor produção de resíduos possível; - reduzida intrusividade na Arquitetura (mesmo considerando que se trata de Arquitetura vernacular); - maior garantia de durabilidade; - maior otimização do desempenho passivo do edifício; - menor impacto do ponto de vista estrutural; - redução da dependência de equipamentos; - redução de custos de manutenção onerosos. Relembrando o já preconizado nos princípios do Dec. Lei nº 95/2019 os processos de reabilitação devem “conciliar a melhoria das condições de habitabilidade com uma resposta responsável e proporcionada em termos de respeito pela pré-existência e pela sustentabilidade ambiental”. A intervenção ao nível das coberturas com a integração de isolamento térmico deve ser priorizada em relação às demais, já que uma perda significativa de calor se dá por aí.
Outro modo de introduzir melhorias de conforto térmico é ao nível do pavimento térreo, levantando o soalho existente, aplicando sobre as vigas de madeira um suporte rígido (placas OSB, por exemplo) e sobre este aplicar o isolamento térmico e finalmente sobre este o ripado para a fixação do soalho, caso este não venha incorporado no isolamento térmico. Pode ainda ponderar-se por questões de não alteração de altimetrias, a colocação do isolamento térmico entre vigas. Seguindo-se a ponderação sobre a ventilação e a intervenção ao nível dos pavimentos onde se pode levantar o soalho existente (se for possível) para a aplicação de isolamento térmico entre um novo suporte rígido sobre as vigas o soalho a repor.
A substituição de caixilharias deve ser ao máximo evitada pela descaracterização que impõe ao edifício, devendo optar-se por outras alternativas como a eventual adição de um novo caixilho, portada, cortinas mais espessas, telas black-out, etc. Tendo sempre presente que uma construção de adobe precisa de ventilação dadas as características materiais da mesma, pelo que qualquer adição ou alteração ao nível dos caixilhos deve prever a ventilação.
Referências Bibliográficas (APA):
Tavares, A., & Costa, A. (2021). Manual de boas práticas de conservação de Casas Gandaresas de Vagos, Mira e Cantanhede. P3R, Lda / Entidades promotoras: CMVagos, CMMira, CMCantanhede.