Tipologias

A tipologia de desenho de fachada mais representativa do território de Vagos, Cantanhede e Mira é a tradicional com porta ladeada por uma janela de cada lado e um portão, com maior ou menor desenvolvimento do pano cego da fachada a seguir ao portão, representando mais de 50% dos casos existentes em qualquer um dos concelhos. Foram identificadas seis tipologias predominantes no território de Vagos, Cantanhede e Mira da Arquitetura da Casa Gandaresa.

Tipologia 1

A tipologia 1 é a tipologia comum mais simples encontrada e apresenta um único quarto. Em algumas zonas foi denominada como a Casa do solteiro, no entanto, nos inquéritos verificou-se que pode até ter sido construída enquanto um dos cônjuges era solteiro, mas no uso final podia albergar um agregado familiar de 7 pessoas. Esta é constituída por uma frontaria com apenas uma porta e uma janela, com entrada direta para a sala, não existindo a meia-sala. Tem um quarto e uma cozinha, por vezes com mais um compartimento no tardoz que poderia ser a casa do forno, a salgadeira ou outra função habitacional. Permanece o portão incorporado na fachada, com o átrio (nalguns casos chamado de pátio), coberto, onde se guardava o carro de bois ou alfaias agrícolas, podendo ter ainda adjacente a casa da arrumação / celeiro. Esta tipologia não apresenta normalmente alpendre. Existem ainda variantes sem corredor, em que se passa diretamente de um compartimento para o outro, mas não são tão comuns. O edifício apresenta dois corpos, cada um com um telhado de duas águas, portas e janelas de pequenas dimensões, normalmente e uma maior simplificação decorativa da fachada, correntemente sem cantaria. No entanto, no interior, os espaços apresentam tetos de madeira pintada e cada compartimento com a sua cor. O mobiliário de cozinha é reduzido, mas tem lareira e no quarto cabe apenas uma cama.

Tipologia 2

A tipologia 2 é sem dúvida a mais representativa nos três concelhos (Vagos, Cantanhede e Mira) e a mais conhecida de todas as tipologias de Casa Gandaresa. Trata-se da tradicional solução com porta ladeada por duas janelas, com um portão ao lado deste conjunto que marca a parte habitacional, com dimensões variadas de extensão ao nível do corpo do celeiro ou mesmo sem celeiro na frente. A organização interna da habitação caracteriza-se por uma entrada direta na sala, a qual dá acesso à meia-sala e ao corredor e deste, a dois pequenos quartos, uma sala de jantar e uma cozinha, com o alpendre a acompanhar estes dois espaços. Existem algumas variantes a esta tipologia, nomeadamente, com mais quartos a seguir aos representados, por vezes com a meia-sala subdividida em dois quartos, ambos com entrada direta pela sala. Mas existem igualmente soluções mais simples sem sala de jantar e sem celeiro, sendo a cozinha o espaço de cozinhar, tomar refeições e estar. Ou ainda com o quarto que remata o alpendre a ter entrada direta por este. Por último, é comum existir um aproveitamento do sótão do espaço do celeiro e por cima da entrada do carro dos bois, usado para a secagem e armazenamento de produtos agrícolas, como a batata e o milho. Em Cantanhede este espaço surge em algumas soluções com um pé-direito mais alto e abrangendo também a frente da casa por cima do espaço habitacional, sendo por esse motivo a frontaria globalmente mais alta, que as soluções observadas em Vagos e Mira. Vários casos apresentam respiros ou frestas para a zona do sótão, bem como frestas ou janelas de ventilação para o desvão sanitário. Esta tipologia tem com frequência cantaria a guarnecer as portas, janelas e portões. Alguns casos apresentam celeiros/espaços de armazenagem mais longos havendo a inclusão de mais um portão.

Tipologia 3

A tipologia 3 é semelhante à tipologia 2, mas mais rica, com a diferença de ter mais uma sala e outros espaços que se vão agregando para o tardoz, nem sempre todos da mesma época de construção. Optou-se por colocar uma representação menos ortogonal neste caso, para enfatizar a organicidade que por vezes apresentam as Casas Gandaresas (independentemente da tipologia) e a sua adaptação a lotes de terreno de formas irregulares. Esta tipologia mantém a frontaria tradicional, com cantarias, de porta ladeada por uma janela de cada lado, com o portão ao lado do setor habitacional, ao qual se juntava a arrecadação ou celeiro, tendo um piso acima deste para celeiro e armazenagem de produtos agrícolas. O espaço de habitação apresenta a tradicional sala e meia-sala, o corredor que faz a ligação aos pequenos quartos e termina normalmente numa outra sala ou átrio com quarto de costura, saleta ou quarto, a que se acede à sala de jantar e finalmente à cozinha com acesso pelo alpendre, ao contrário das restantes. Esta situação serve também de representação emblemática para o tal crescimento progressivo da casa, ao longo da sua vida útil, já que no caso representado, a antiga cozinha passou a sala e a nova cozinha terá sido acrescentada para o tardoz, daí justificar-se ter um acesso pelo alpendre e não na sequência do corredor. O posterior desenvolvimento para o tardoz, faz-se por vezes mantendo a estrutura de implantação em “L”, com um conjunto de outras funções que se vão associando, desde a casa do forno, a salgadeira, a pequena adega, a arrecadação, ou o curral. Verifica-se também que por vezes a zona dos currais e galinheiro está em construção autónoma para trás ou em posição que pode transformar esta tipologia noutra em “U”. A Casa apresenta pequenas janelas de ventilação quer para o desvão sanitário quer para o sótão/celeiro.

Tipologia 4

A tipologia 4 apresenta normalmente a tradicional frontaria com porta ladeada por uma ou das janelas de cada lado, havendo ainda uma janela do outro lado do portão, que corresponde comumente à janela da adega. Os quartos concentram-se a seguir à sala, por vezes com um quarto dos rapazes junto do celeiro ou átrio. Esta tipologia assume a separação funcional das salas, tendo uma sala principal virada para a rua, a sala de estar a rematar o corredor e com acesso também pelo exterior (alpendre) e finalmente a sala de jantar junto da cozinha que é de boas dimensões. A cozinha remata o alpendre, que costuma apresentar pilares de madeira de suporte da cobertura, por vezes apenas pavimentado e sem murete, noutros casos com um murete muito baixo. Os anexos – currais, arrecadações, etc, desenvolvem- se para tardoz, nem sempre totalmente alinhados, com dimensões várias, mantendo, no entanto, uma implantação em L. A fachada principal apresenta com frequência cantarias em torno dos vãos e por vezes no embasamento.

Tipologia 5

A tipologia 5 destaca-se por assumir uma implantação em “O” no terreno, normalmente com uma frente longa para a rua. A parte habitacional mantém a tradicional fachada com porta ladeada por uma janela de cada lado, um portão e uma extensa fachada cega ou com pequenas frestas ou janelas pequenas na parte superior, correspondendo ao celeiro. O celeiro apesar das suas dimensões generosas mantém um piso superior. O quarto dos pais e o quarto das raparigas fica centrado na casa com acesso pelo corredor, enquanto o quarto dos rapazes fica adjacente ao alpendre ou ao celeiro, não sendo, no entanto, esta uma característica exclusiva desta tipologia. Mais uma vez apresenta-se uma distinção funcional das salas, podendo ter a sala principal (de visitas) virada para a rua, uma sala de estar e outra de jantar (ou a mesma função na mesma sala) virada para o alpendre, mas acedendo-se a cada uma através da outra, sem corredor. Este setor da habitação como é comum remata com a cozinha e com a salgadeira ou a casa do forno. Em contraponto ao corpo do espaço habitacional desenvolve-se o corpo dos currais das vacas, que é rematado por um telheiro que faz a ligação entre os dois corpos e confina o espaço da Casa em relação ao espaço agrícola que se desenvolve para trás. O alpendre é delimitado por muro e portão para o tardoz, embora possa apresentar outras características mais abertas. A fachada principal apresenta cantaria e frestas e janelas para ventilação quer do desvão do sótão / celeiro quer do desvão sanitário.

 

Tipologia 6

A tipologia 6 representa uma Casa Gandaresa com maior dimensão e com a característica singular de apresentar duas portas de entrada, que no conjunto são ladeadas por uma janela ou por duas janelas gémeas. A diferença principal é a autonomização da sala, marcando dessa forma a separação entre os espaços mais privados (familiares) do espaço mais social - a Sala. Esta Sala normalmente denominada como sala de visitas ou sala do compasso/ Páscoa, etc, tem uma entrada independente e direta da rua e uma ligação ao corredor. O portão lateral dá acesso ao pátio, a que se junta a adega na frente, mantendo-se o celeiro no piso superior e a abranger toda a frente da casa no desvão de sótão, onde também se guardavam outros produtos agrícolas e com pequenas aberturas de ventilação em algumas das fachadas. Para lá do corpo principal desenvolve-se o corredor, com quartos de dimensões contidas, por vezes com um quarto muito pequeno onde tinha a latrina, mais tarde adaptada a quarto de banho, perto do espaço da cozinha. No final do corredor encontra-se a cozinha com uma grande lareira onde se ficava na conversa ao serão. Nesta tipologia é frequente a existência de uma segunda cozinha ou casa do forno adjacente à cozinha principal, que era usada como a cozinha do dia-a-dia, ou seja a que se usava durante o dia “sem ter de entrar em casa” ou então onde se cozia o pão e outros bens alimentares. Associada a esta temos ainda a salgadeira e por vezes o espaço onde se pendurava o presunto, o porco e onde se guardava o vinho, de forma separada nesse espaço. O alpendre mais uma vez desenvolve-se acompanhando o corredor e a cozinha. Do lado oposto, encontra-se o corpo ligado à componente agropecuária, variando o número de currais, arrecadações, celeiro, tendo ainda um pequeno poço para o consumo doméstico da água. Esta tipologia apresenta um lote de maior largura e um logradouro de maior profundidade, por vezes em sequência de espaços agrícolas nas imediações de diferentes áreas. 

 

 

Materiais e Elementos da Casa

Caracterização do sistema construtivo da Casa Gandaresa:

- Materiais das Casas Gandaresas

- Elementos estruturais:

  • - Fundações e embasamento;
  • - Paredes exteriores e paredes interiores;
  • - Estrutura de madeira de pavimentos;
  • - Estrutura de madeira de cobertura:
    • - Sistema de varas;
    • - Sistema de madres;
    • - Sistema de asnas.

- Elementos não estruturais (A riqueza decorativa da Casa Gandaresa):

  • - Paredes interiores de tabique e tijolo;
  • - Vãos (janelas e portas);
  • - Fornos e chaminés;
  • - Revestimentos de paredes, pavimentos e tetos;
  • - Cantarias.

Materiais das Casas Gandaresas

O recurso a materiais naturais provenientes da região é a base da construção de uma Casa Gandaresa. Nesse sentido, temos o material base a terra, a argila, a cal, a pedra, a madeira e a cerâmica. Consoante as regiões o material era proveniente dos terrenos das famílias, noutros casos, em complemento ou em exclusivo eram adquiridos a produtores e oficinas sobretudo da região, o que confere alguma homogeneidade ao sistema construtivo. A exceção verifica-se sobretudo ao nível das Casas Gandaresas construídas por emigrantes do Brasil, Estados Unidos e Canadá, entre outros, e também em relação a alguns elementos decorativos, sobretudo do interior das habitações (em tectos e paredes). No entanto, a Casa Gandaresa caracteriza- se por uma simplicidade material e construtiva, onde a cor tinha um papel importante.

Elementos Estruturais

Os elementos estruturais representam o que na construção é suporte de outros componentes construtivos. Desta forma são distinguidos neste subcapítulo as fundações, as paredes exteriores e as paredes interiores de adobe ou de alvenaria mista e as estruturas de madeira de pavimentos e cobertura. Destacam-se as fundações das paredes porque na explicação das medidas de reabilitação existem anomalias e respetivas causas específicas das fundações.

Fundações e Embasamento

As fundações das paredes das Casas Gandaresas são correntemente em adobe ou em alvenaria ordinária de pedra, não apresentando normalmente grande profundidade, sendo as profundidades correntes entre os 40-80 cm. Os muros de fundação excedem a espessura das paredes 5-20 cm e mantêm uma espessura sensivelmente igual até à altura do embasamento visível na fachada, ou pelo menos até à altura do vigamento do piso térreo. A diferença de espessura entre os muros de fundação e as paredes serve igualmente para apoio do vigamento do pavimento. Dado ser frequente as fundações serem em adobe e sendo este um material com terra (não orgânica) por vezes quando se abrem janelas de inspeção para a análise das fundações, estes adobes são confundidos com a própria terra de fundação, pelo que é necessário um grande cuidado nesta observação. As fundações são contínuas, abrangem todas as paredes, quer as das fachadas quer as das paredes interiores, mesmo que estas não sejam de adobe e sejam de tabique ou de tijolo. Para a construção das fundações eram abertas valas até terreno firme, feita uma primeira cama por vezes com inertes de maior dimensão ou com uma mistura com maior percentagem de cal. Sobre esta camada, bem batida, eram construídas as fundações, que dependendo da época de construção e da altura do edifício era definida uma espessura de parede de fundação entre 45-100 cm. A posição dos adobes variava consoante a espessura pretendida, podendo ser assentes a 1,5 vez ou a 1 vez, ou em sistema misto. As fundações das paredes interiores, eram encostadas ou imbricavam nas paredes mestras. A ventilação da base das paredes é o grande “segredo” dos edifícios antigos e crucial na construção de adobe, pelo que as Casas Gandaresas na sua construção original de boa qualidade apresentam orifícios (com a dimensão de meio ou um adobe), frestas ou janelas, para esta função. Escolhida a altura a que estas aberturas se deviam localizar, sempre acima da cota exterior pelo menos 20 cm nas paredes das fachadas e abaixo, ou de nível, da zona de apoio das vigas de pavimento, estas eram distribuídas pelos muros de fundação com espaçamentos regulares, de forma a garantir uma ventilação transversal. Nalguns casos, os muros eram quase interrompidos, para a constituição destas janelas de ventilação, mesmo em relação aos muros de fundação de paredes interiores. Constituía-se assim uma caixa-de-ar, um desvão sanitário – com uma altura variável, num mínimo de 30 cm, mas podendo ter mais de 100 cm de altura. A dimensão corrente era entre 30 e 50 cm de altura de caixa-de-ar, no entanto, em casos em que existe um diferencial de cota do terreno entre a frente e o tardoz, este era aproveitado para aumentar a altura do desvão sanitário, por vezes construindo os muros de fundação com arcos. Na transição, entre muro de fundação e a parede, existia uma camada com funções de impermeabilização (quando existia), podendo esta camada de corte hídrico estar a um nível inferior desta transição, cumprindo, no entanto, a premissa de estar sempre abaixo do nível do apoio das vigas de pavimento e acima da cota exterior de pavimento. A ventilação da base das fundações e a impermeabilização são aspetos fundamentais a analisar num edifício existente e erradamente anulados pela substituição de pavimentos interiores por lajes e pela subida das cotas de piso, quer de passeio/rua, quer do interior. Esta é a grande causa de ação humana de imposição de dano às Casas Gandaresas e que as tem associado a uma ideia completamente errada de pior construção em relação aos sistemas construtivos vigentes.

Paredes Exteriores e Paredes Interiores

As paredes são normalmente em adobe cuja espessura depende das dimensões do próprio adobe, assentes a uma vez ou correntemente a meia vez até à altura do beiral. A espessura das paredes pode decrescer ao nível do desvão de sótão, fazendo-se essa redução ao nível das vigas de pavimento desse nível. A parede é rematada com uma fiada de adobes colocados na transversal à largura da parede e de forma projetada para o exterior, para assim se fazer a cimalha e projetar mais o beiral. Esse deslocar do adobe para fora permitia ainda a colocação do frechal apoiado no resto da parede. Os adobes são assentes com argamassas de cal aérea, ao traço corrente de 1:3 (1 medida de cal aérea para 3 de agregados), sendo correntemente esse também o traço das argamassas usadas nos rebocos de cal. As variações de traço dependem da época da construção, só possível conhecer com análises laboratoriais. As paredes eram finalmente pintadas, com cores muitas vezes garridas e cujo contraste e jogo é uma das características mais importantes das Casas Gandaresas.

Estrutura de Madeira de Cobertura

A estrutura da cobertura, definindo-se como estrutura os elementos estruturais que apoiam na parede, é tradicionalmente de madeira, podendo ser um sistema de: - varas, o sistema usado que envolve a necessidade de menores recursos e menos mão de obra. - madres, o sistema mais corrente; - asnas, normalmente do tipo Palladio ou de linha alta ou ainda com a linha ao nível do piso.

Estrutura de Madeira de Pavimentos

A estrutura de pavimentos é geralmente de madeira, cujas vigas apoiam ou encastram nas paredes de adobe. Correntemente as vigas tinham comprimentos entre os 3.0 m e os 5.0 m o que definia também a dimensão dos compartimentos e o facto deles se apresentarem de reduzidas dimensões. O que quer dizer que quando não existem paredes interiores de adobe, as vigas apoiam nas paredes meeiras e podem abranger dois espaços. Nessas situações as vigas podem atingir facilmente os 7.5 m de comprimento, mas é menos vulgar. Assim, as vigas apoiam nas paredes estruturais de adobe, em sequência, a saber: parede meeira, parede interior divisória da sala e da meia sala, parede divisória (empena) entre a meia-sala e o átrio, a divisória entre o átrio e a de empena. No entanto, nos casos em que o compartimento é de grandes dimensões as vigas apoiam na parede de fachada e na parede de tardoz, de adobe. Na parte do corpo perpendicular ao principal, as vigas apoiam normalmente segundo o menor vão, mas mais uma vez dependendo da existência de paredes divisórias de adobe que possam funcionar como paredes estruturais para os casos em que se orientam paralelas às fachadas. Quando as vigas tinham maior comprimento, ou por maior cuidado construtivo, apoiavam para além das paredes de adobe, em muretes de fundação que dividiam o vão da viga em partes sensivelmente iguais, ou então em maciços de adobe, por vezes de forma cilíndrica (embora não muito comum), para que fosse possível usar vigas de menor secção. As secções correntes de viga são: • 10 x 20 cm; • 8 x 16 cm; • 7 x 14cm; • 6 x 12 cm. Em alguns compartimentos onde se previa a colocação de móveis que podiam ter maior peso, era feito o tarugamento ao longo de toda a parede, em complemento à estrutura de vigas, para maior capacidade resistente da estrutura. O mesmo tarugamento era usado nos casos em que se pretendia ter um soalho mais elaborado ou para o assentamento do encabeirado do soalho à Inglesa. Para os casos de maior qualidade construtiva existia a preocupação de ventilação dos topos das vigas, a criação de uma base mais rígida para o seu apoio e algum nível de impermeabilização. O tratamento das madeiras era também prática corrente nestes casos. Os revestimentos do pavimento eram normalmente em soalho de pinho nacional podendo ser de outras madeiras. O facto da estrutura e revestimento dos pavimentos serem de madeira torna crucial a presença de janelas de ventilação na zona do embasamento com área e número adequados à área a ventilar, que por vezes são erradamente fechadas por desconhecimento, diminuindo dessa forma a durabilidade dos materiais. Há ainda a referir os casos em que o soalho não era usado para espaços como a cozinha e outros espaços de serviço pelo que a estrutura de pavimento era realizada com camadas sobrepostas de brita, cascalho, tijolos/telhas partidas que depois de bem apiloadas eram cobertas com argamassas sobre as quais era aplicado o acabamento final em cerâmica (em mosaico hidráulico, por exemplo). Contudo, existem Casas com compartimentos que de origem não tinham pavimento, nomeadamente o celeiro, a adega e por vezes até espaços habitacionais, sendo apenas de solo bem batido.

Elementos Não Estruturais - A Riqueza Decorativa da Casa Gandaresa

A imagem de marca de uma Casa Gandaresa é a cor, o contraste escolhido entre as cores tradicionais do azul, do amarelo, do vermelho, do castanho avermelhado, do branco no exterior e igualmente no interior com os verdes água, os azuis ou as cores fortes, nalguns casos, ou ainda mais recentemente as opções pelo branco ou por tons claros. No entanto, para além da cor existem desenhos distintivos ao nível dos diferentes elementos da composição da fachada, como o embasamento, as cantarias, as pilastras, a cimalha e cornija, os azulejos e no interior as portas, os rodapés e os tetos. De destacar ainda as Casas Gandaresas de Portugueses que regressaram do Brasil ou dos Estados Unidos onde a decoração da fachada apresenta elementos de desenho mais elaborado, conferindo à fachada a principal uma característica distintiva no ambiente urbano, dentro de um modelo tradicional de Casa Gandaresa na sua essência.

Paredes Interiores de Tabique e Tijolo

As paredes interiores eram sobretudo de tabique simples, rebocadas e estucadas em ambas as faces, com uma pintura igualmente colorida, de tons água, azul ou verde ou em tons rosa ou amarelo, contrastando com os tons mais fortes usados para as portas interiores (frequentemente com bandeira), rodapés e por vezes roda-tetos. A cada espaço era atribuída uma cor e em casas cujo proprietário teve melhores condições financeiras surgem as escaiolas e alguns motivos decorativos. A pintura a branco das paredes foi aplicada sobretudo após os anos 40 do século XX, numa fase em que também se simplificaram e diminuíram os elementos decorativos nestes edifícios. As paredes interiores que também podem ser de adobe, com função portante ou com contributo para esse efeito, surgem sobretudo perto de alinhamento de paredes exteriores ou na divisão dos espaços de cozinhas. Outras paredes interiores de adobe eram realizadas com adobes próprios de mais reduzida largura, perto de metade da largura dos adobes usados nas paredes exteriores e eram realizados em moldes específicos para esse efeito. O tijolo maciço era usado sobretudo em partes específicas da construção, nomeadamente para fazer a redução de espessura da parede de apoio das janelas. Mas também surge em posições pontuais da parede, em áreas onde era necessária maior rigidez, perto de vãos ou no apoio de vigas. O tijolo furado ou vazado foi usado mais tardiamente, podendo aparecer igualmente em áreas pontuais ou a fazer todas as paredes interiores, ou ainda para fundações de paredes interiores, sendo os orifícios preenchidos com argamassa.

Vãos (Janelas e Portas)

Nas Casas Gandaresas as portas, as janelas e os portões são de madeira, normalmente pintados com cores fortes tradicionais, embora nas reabilitações se esteja a adotar o branco. As portas podem ser compostas na forma mais simples por tábuas ao alto com ligação macho-fêmea e pintadas a uma única cor ou com um desenho mais elaborado, com vidros de cor e bandeira. Os detalhes de transição por vezes vão buscar referências a elementos decorativos da fachada. Algumas portas apresentam bandeira, nalguns casos com vidros coloridos. As janelas que chegaram ao presente são sobretudo de duas folhas, com vidros com medidas aproximadas entre diferentes tipos, de vidro simples de reduzida espessura (2,5mm – 3mm). Existem janelas com um desenho elaborado, com vidros coloridos. Normalmente estas janelas de duas folhas apresentam uma bandeira. São poucas as Casas que apresentam as janelas antigas de guilhotina, quer na fachada principal, quer no alpendre, embora mantenham de formas simples nas fachadas laterais. Os portões são mais uniformes no seu desenho, de dimensões aproximadas entre as diferentes tipologias de Casa Gandaresa e são de madeira. Atualmente de uma forma quase generalizada apresentam uma chapa de proteção na parte inferior do portão e alguns passaram a ser totalmente metálicos.

Fornos e Chaminés

Os fornos são frequentes existir nas cozinhas, havendo a boca do forno de pequenas dimensões e o corpo do forno a desenvolver-se para o compartimento seguinte ou espaço exterior. Este era construído com uma forma quase esférica, com uma alvenaria constituída por pedaços de telhas cerâmicas de canudo partidas e com argamassa de terra e cal, sobre uma base elevada de tijolo maciço. As chaminés de dimensões variáveis poderiam ser construídas em adobe ou em tijolo, rematadas por chapa ou por lajetas cerâmicas ou tijolos.

Cantarias

As cantarias são de pedra calcária, bem talhada, por vezes com encaixes para melhor imbricamento entre elementos da mesma cantaria, como acontece na que envolve a zona dos portões, ou com o distintivo marco na base, nessa mesma zona, para proteger à cota baixa essa mesma cantaria. Existe um número elevado de Casas Gandaresas com o uso de cantaria na fachada, na envolvente a vãos, sendo menos frequente o uso na zona dos vãos do alpendre ou no embasamento ou na cimalha. Apesar da predominância serem as cantarias de pedra calcária, existem também diversas casas com cantaria de granito. As cimalhas e pilastras raramente são de pedra. Em várias casas os elementos de cantaria foram rebocados por cima e pintados.

Revestimentos de Paredes, Pavimentos e Tetos

Os revestimentos das paredes das Casas Gandaresas são rebocos de cal aérea, ao traço mais comum de 1:3, embora muitas outras com outros traços que só análises laboratoriais podem aferir. Os rebocos eram constituídos por 2 ou 3 camadas, a primeira camada com uma granulometria maior, até à camada final com uma granulometria mais fina. Rebocos com uma só camada são rebocos tardios de origem (se a casa é posterior a 1940) ou decorrentes de reabilitações. O acabamento era uma pintura à base de cal, normalmente com um pigmento que lhe conferia a cor ou estucada e pintada nas paredes interiores. O embasamento é uma parte importante da fachada do ponto de vista construtivo e estético, devendo conciliar a necessidade de uma base da construção mais resistente aos efeitos de projeção de água da chuva proveniente dos telhados sem caleiras ou da passagem dos veículos. Para além disso, devem acondicionar as janelas de ventilação na base da construção, muitas vezes a ficarem reduzidas ou ocultas pelo aumento da cota dos passeios e ruas. A cor e o desenho do embasamento têm nalguns casos detalhes de composição ou são usados como uma banda uniforme de cor que contrasta com o resto da fachada. As pilastras pouco salientes da fachada são realizadas sobretudo em reboco de cal e apresentam desenhos desde a simples configuração lisa com cor, à elaborada pilastra canelada, com remate superior e inferior rico em detalhes, principalmente nos casos de proprietários vindos do Brasil. A cimalha e cornija são igualmente áreas da construção que apresentam muitas vezes um trabalho cuidado decorativo, com elementos salientes, figurativos ou geométricos, com o uso da cor e por vezes complementados com faixa de azulejo. A sua projeção depende muitas vezes de um posicionamento diferente do adobe ou de um remate superior da parede com lajetas de cerâmica assentes com argamassa de cal, que conformam as saliências necessárias. Os azulejos aplicados de origem apresentam uma preocupação de composição geométrica na fachada, em cujos painéis existe a preocupação dos remates bem como com a transição com outros setores da fachada (pilastras, cornija, embasamento). Havendo azulejos com desenho específico para cada um desses locais. O revestimento dos pavimentos é sobretudo soalho de madeira corrido, normalmente com 3 cm de espessura, podendo ter em casas melhores uma esquadria no perímetro do espaço. O soalho em algumas casas era encerado, mas não tinha de forma corrente outro acabamento e só mais recentemente surgem os envernizamentos mate. O rodapé das áreas com soalho de madeira é nas casas melhores, alto e composto por duas peças e nas restantes é baixo, sendo ambos os casos pintados com cores mais fortes que as paredes. No que respeita aos tetos os revestimentos são sobretudo de forro de madeira pintado, com frequência de modelo de saia e camisa, embora noutros casos, os tetos apareçam com um desenho mais geometrizado de forro de madeira. Noutros casos o revestimento é de estafe, estucados e com alguns elementos de gesso, quer na esquadria quer no centro. O espaço interior das Casas Gandaresas antigas usa a cor em praticamente todos os compartimentos, havendo um contraste entre as paredes e as portas, ou com os tetos de madeira. Todos os elementos são pintados, com exceção dos tetos de estuque com elementos de gesso em alguns casos.

Níveis de classificação

Definição de 3 níveis de classificação de originalidade das Casas Gandaresas:

A definição de níveis de classificação pressupõe a avaliação da autenticidade e da integridade, bem como a definição de critérios de admissibilidade, ou seja, a criação de uma fase preparatória preliminar de eliminação de candidaturas com base na não verificação de atributos, considerando nesta fase as situações de transformação irreversíveis do edifício em que não haja o compromisso de as reverter.

Neste sentido os fatores de exclusão à admissibilidade de classificação de Casas Gandaresas originais são os seguintes:

  • a) O edifício não apresenta uma fachada dentro das tipologias Gandaresas ou esta encontra-se de forma irreversível alterada;
  • b) O edifício apresenta apenas a fachada Gandaresa tendo sido o resto do edifício alterado;
  • c) O edifício não apresenta configuração em L, em U ou em O, ou configuração específica regional, nem tem logradouro;
  • d) O edifício apresenta volumetrias não concordantes com as tipologias Gandaresas, quer em altura, quer por ampliação;
  • e) O edifício foi reconstruído em mais de 50%;
  • f) O edifício apresenta elementos de betão armado que não são de origem (anteriores a 1955) e/ou o uso de cimento na maior parte dos rebocos do edifício;
  • g) O edifício apresenta materiais na fachada dissonantes da tipologia tradicional de Casa Gandaresa não tencionando o proprietário a reversão desta característica;
  • h) O edifício apresenta caixilharias de alumínio ou PVC ou com alteração do desenho original das caixilharias (janelas e portas), ou com abertura de novos vãos na fachada de forma não integrada (que não segue a métrica tradicional);
  • i) O edifício apresenta revestimento de cobertura que não é de telha cerâmica.

Considerando os requisitos mínimos para cada atributo, para o nível A, o nível B e o nível C, bem como algumas ponderações sobre eventuais admissões de situações reversíveis, o que distingue os três níveis é a exigência na qualidade e na quantidade de elementos originais presentes, devendo para o nível A aceitar-se as que apresentam o maior número de elementos originais, aceitando-se apenas alterações não dissonantes muito pontuais. Para os níveis seguintes, B e C, são aceitáveis algumas alterações, desde que não dissonantes e permitam a leitura dos espaços e configuração de fachada e morfologia original. O nível C é o que se afasta mais de uma versão original.

Estratégia para a classificação de Casas Gandaresas e Medidas de Proteção - O conjunto, o enquadramento e o edifício isolado. Propostas de classificação de casas gandaresas em Vagos, Mira e Cantanhede:

A sustentabilidade do projeto Gândara TourSensations depende da capacidade de mobilizar a população e investidores para que os níveis de autenticidade e integridade permaneçam elevados, garantindo dessa forma a imagem do projeto, mas sobretudo a sustentabilidade/perenidade da imagem de marca da região. A Casa Gandaresa pode assim ser usada como o elemento distintivo, capaz de atrair um turismo rural, no contexto nacional e internacional, que com a experiência da pandemia COVID 19 se revelou com um grande potencial. Do levantamento realizado no terreno das Casas Gandaresas existentes em Vagos, Mira e Cantanhede, verificam-se 3 situações a ponderar nesta vertente da promoção da preservação:

Situação 1

Conjuntos de Casas Gandaresas que independentemente do seu estado de conservação são representativas desta tipologia de Casas, que se localizam próximas ou confinantes umas com as outras e por isso facilmente se estabelece uma área de proteção delimitada e medidas de apoio para a sua reabilitação/conservação;

Situação 2

Casas Gandaresas que individualmente são representativas da cultura Gandaresa e devem ser preservadas, estudadas e cuja manutenção, conservação ou reabilitação devem ser apoiadas, eventualmente com isenção de IMI ou com suporte técnico adequado com experiência na conservação de construções de adobe;

Situação 3

Casas Gandaresas que apresentam grande valor por antiguidade (anteriores ao século XX) ou riqueza decorativa, mesmo que não se apresentem de forma completa, mas cuja intervenção é possível realizar de forma a preservar estes símbolos e reverter a sua situação de abandono ou de transformação desqualificada.

Estrutura de suporte de apoio à preservação do padrão identitário da Casa Gandaresa

Um plano de ação que garanta a perenidade das medidas para a preservação da Casa Gandaresa, seguindo orientações internacionais nesta matéria, deve incluir pelo menos 3 aspetos: monitorização presente e futura dos resultados que se pretendem avaliar; cronograma que defina as medidas ao longo de 3 anos; definição de partilha de responsabilidades e o que se espera de cada interveniente.

A monitorização dos resultados da avaliação deve ter previamente como suporte uma definição sobre o estabelecimento da Teoria da transformação e os respetivos indicadores mais relevantes, para assim medir o impacto a médio-longo prazo.

Os indicadores distribuem-se por 3 níveis: nível do lugar; nível institucional; nível dos técnicos. Aos quais estão associados aspetos que exigem uma estrutura preparatória prévia. O programa pressupõe uma monitorização constante com avaliações a 2, 5 e 10 anos.